Esse exercício de auto-observação é essencial ao longo de todo o tratamento, e inclui a observação de hábitos, alimentos, pensamentos e ações que fazem parte de nosso cotidiano.

Tal conscientização é o que pode nos trazer o empoderamento necessário para que nosso alinhamento com o Āyurveda possa representar um processo significativo para nossas buscas individuais e até uma forma de resistência a possíveis demandas insalubres que, muitas vezes, a nós são apresentadas/forçadas pelo mundo do trabalho, pela mídia, por relações ou pela sociedade em que vivemos.

Rotina diária: Tudo aquilo que faz parte de nossa rotina acaba se tornando muito poderoso, e por isso os textos clássicos do Āyurveda dão tanta ênfase à rotina. Estabelecer e se apropriar da sua rotina é uma forma de reafirmar a sua intenção de ter uma boa saúde, e de se aproximar da Natureza, no seu aspecto de fonte generosa de paz mental e mantenedora de nossos corpos e nossa vitalidade.

Atenção à digestão: Agni é um dos conceitos mais importantes do Āyurveda, e se refere, de forma muito resumida, a nossa capacidade de digestão. Não apenas a digestão dos alimentos, mas também a digestão das situações que vivenciamos e das emoções que são delas originadas, digestão dos conteúdos que aprendemos e o próprio metabolismo do corpo em geral. Um bom poder digestivo é essencial para a nutrição adequada, para uma boa imunidade, para um estado de atenção saudável, para a disposição física e para uma boa relação com o próprio corpo, entendendo que ele é parte da manifestação do poder criador, sustentador e transformador da Divindade.

Prevenção de desequilíbrios e doenças: Evitar as causas dos desequilíbrios faz parte do próprio tratamento no Āyurveda. Assim, identificar possíveis fatores geradores de distúrbios, seja na alimentação, nos afazeres e nos pensamentos, é importante para um correto encaminhamento de cura, assim como para a prevenção de futuros possíveis problemas. Os textos nos ensinam que o uso excessivo, insuficiente ou inadequado dos órgãos dos sentidos (visão, audição, olfato, paladar, tato), uma relação distorcida com o tempo e a falta de consciência em nossas ações (de corpo, mente e fala) são as causas básicas para todo tipo de desequilíbrio.  

Uso consciente de alimentos e especiarias: Alimentação é um dos pilares da vida, segundo os textos clássicos do Āyurveda, e, portanto, requer atenção e cuidado especial. Os diferentes alimentos e especiarias que utilizamos no dia-a-dia apresentam sabores, qualidades, potências, efeitos pós-digestivos e ações específicas nos tecidos do corpo que permitem que nós utilizemos a alimentação a favor da nossa saúde física e mental quando fazemos escolhas conscientes. A ideia não é complicar a alimentação, tornando-a um bicho-de-sete-cabeças, até porque os hábitos tradicionais de alimentação, aprovados pelo tempo, nos mostram sempre um bom caminho a seguir. O que necessitamos é estar alertas às investidas da voraz indústria alimentícia, dos podres poderes que envenenam o alimento e fazem com que o alimento sem agrotóxicos seja mais caro, das passageiras modas alimentares, da demonização infundada ou exagerada de determinados alimentos, para, então, tendo consciência de nossos privilégios ou limites na escolha de opções alimentares, podermos chegar em um resultado inteligente e compassivo com nossos próprios corpos e com os outros seres que fazem parte da cadeia produtiva. A comida e seu preparo são alegria, carinho e amor (a si mesmo ou às pessoas queridas com quem comemos ou cozinhamos), e por isso, celebrar cada refeição é uma ótima forma de conexão com a Realidade Superior, que também se manifesta neste mundo na abundante forma de alimento. 

Busca de equilíbrio mental: Entendemos o ser humano de forma holística, sem compartimentalizações, e assim o estado da mente é muito importante para a saúde plena e para o cumprimento de nossas aspirações. Na “sociedade do cansaço” (conceito do filósofo Byung-Chul Han) em que vivemos, associada ao excesso de positividade, com seu excesso de informação, gerando uma “necessidade” de ter sucesso, de parecer feliz, e de fazer muitas coisas ao mesmo tempo, é cada vez mais difícil sentir, de fato, equilíbrio mental. Essa tem sido uma dificuldade recorrente, que reflete, em muitos níveis, as demandas do nosso ambiente atual.

Tendo como base a teoria dos guṇas, que explica o funcionamento de todo o Universo com base na existência de três princípios básicos, chamados rajas (geralmente relacionado às ideias de “movimento”, “atividade”, “criação”, “paixão”...), sattva (geralmente relacionado às ideias de “equilíbrio”, “clareza”, “bondade”...) e tamas (geralmente relacionado às ideias de “inércia”, “embotamento”, “lentidão”, “ignorância”...), podemos entender que a mente humana funciona melhor quando há um certo predomínio de sattva guṇa, que podemos incrementar por meio de escolhas diárias de atitudes, observações, práticas e até alimentos. Meditação, prática de asanas (“posturas”) de Yoga, oração, controle da respiração e até algumas plantas medicinais podem ser grandes aliados no planejamento de uma rotina voltada à busca por certo controle da mente (tendo em vista que a própria Filosofia Védica assume que é bastante difícil controlar de fato a mente) ou por um estado mais equilibrado e/ou satisfeito com a própria realidade presente.

Busca por conexão com a Realidade Superior: todas as áreas de conhecimento dos Vedas, por meio de muitos caminhos, apontam também para a necessidade humana de buscar realizar seu propósito, cumprindo seus compromissos específicos dessa vida (“Dharma”) e de atingir a plena realização da existência humana, que pode ser compreendida como a busca por liberação do sofrimento (“Mokṣa”). O Āyurveda reconhece essa necessidade como parte do conceito integral de saúde, já que compreende a existência de um princípio de consciência “ātma”) que ultrapassa a barreira da morte física, e assim estimula que cada indivíduo avance, em seu próprio ritmo, nessa caminhada. Essa busca pode ocorrer em qualquer religião ou tradição mística com a qual a pessoa se identifique, e assim, o respeito às crenças e tradições pessoais são um elemento muito importante para nossa prática em Āyurveda. Sugestões de práticas, orações, mantras e rituais podem fazer parte da nossa consulta, se necessário, SEMPRE de acordo com as particularidades e religião/caminho espiritual/crenças da pessoa. Em muitos casos, o Jyotiṣa, a “Astrologia Védica” (uma área de conhecimento “irmã” do Āyurveda, que também faz parte dos meus estudos atuais e que aplico, de forma complementar, na consulta de Āyurveda, se necessário) é uma importante fonte de inspiração e soluções para situações que, muitas vezes, requerem respostas que vão além dos alimentos, rotinas e plantas medicinais, por envolverem fatores kármicos.  

Fitoterapia: o conhecimento sobre a aplicação de plantas medicinais é uma das especialidades do Āyurveda, que aborda as substâncias de aplicação terapêutica a partir da análise dos sabores, qualidades, efeitos pós-digestivos, potências e ações específicas no organismo. A utilização isolada ou combinada de fitoterápicos, em horários específicos, na forma adequada de administração, costuma representar uma poderosa intervenção no sentido de equilibrar os doṣas. Utilizamos, aqui no Brasil, uma abordagem mista, que pode incluir, de acordo com cada caso, plantas descritas nos textos clássicos e utilizadas na Índia e também plantas brasileiras de uso tradicional, seja na forma de chás, cápsulas, óleos, tinturas, pós, etc. 

Abordagem Śamana (“pacificação de doṣas”): o Āyurveda é muito amplo, e apresenta distintas formas de manejo dos desequilíbrios e doenças, de acordo com o que for mais propício para cada caso. Distinguem-se dois grandes ramos de possibilidades de tratamento chamados Śodhana (“terapias de purificação”) e Śamana (“terapias de pacificação”).

A primeira abordagem se refere às técnicas conhecidas como pañcakarma, que são terapias bastante fortes, com muitos pré-requisitos de saúde, preparação, aplicação e finalização, que geralmente devem ser feitas com internação da pessoa. A segunda abordagem (Śamana) busca, através do uso de intervenções como fitoterápicos, seleção de rotinas, comportamentos e formas de alimentação, terapias específicas, atingir um estado de pacificação dos doṣas dentro do organismo, sem ser necessário extraí-los (os doṣas) forçosamente, e sem necessidade de internação. Em nosso tratamento, o foco será a perspectiva Śamana, ou seja, de pacificação, por meio da qual buscaremos o alívio dos incômodos presentes e também um estado mais satisfatório de vigor e energia.

Rejuvenescimento: Rasayana é a área do Āyurveda que trata das substâncias, medidas e tratamentos que promovem, de certa forma, o rejuvenescimento do corpo e/ou da mente, uma vez que visam ao fortalecimento dos tecidos e canais que nos formam. Algumas substâncias como o “gui” (manteiga clarificada, “ghee”), ou algumas plantas medicinais, são considerados rasayanas, assim como a adoção de algumas medidas de comportamento e de pensamento também podem ser considerados rasayana. Tal abordagem geralmente é incluída após o equilíbrio satisfatório do poder digestivo (Agni), e também pode ser feita de forma individualizada, de acordo com as necessidades de cada pessoa, levando em consideração os desequilíbrios e a constituição específicos. 

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